Esta semana li para os meus filhos quatro contos extraordinários de E. E. Cummings. E digo que são extraordinários porque me encantaram a mim e a eles, mesmo com páginas inteiras sem ilustrações – a ilustração pode ajudar muito a manter o interesse dos mais pequenos, além de incentivar (com mais ou menos tendenciosidade) a apreensão e compreensão da história. Na maioria das páginas deste livro tínhamos as letras, a minha voz e a imaginação deles.
Fiquei a saber que gostaram imediatamente depois da leitura do primeiro conto, porque pediram o próximo e depois mais outro. É também muito frequente pedirem a segunda leitura do mesmo conto e às vezes a terceira.
São histórias que causam uma certa ansiedade, tem de se continuar, não para se conhecer o fim mas pela admirável satisfação de ser-se alimentado. Os títulos dos contos são tão curiosos como as próprias histórias. Destaco dois contos: A Menina chamada Eu e O velho que perguntava ”Porquê”. O meu filho mais velho escolheu O elefante e a borboleta, uma história de aceitação, amizade e amor.
No primeiro conto a Eu encontra uma menina chamada Tu e no diálogo entre as duas apercebi-me que o jogo entre os pronomes pessoais me recordava a forma como a linguagem se manifesta nos primeiros anos de vida e , num plano mais profundo, como EU e TU são, no fundo, da mesma massa. O final do conto ‘O velho que perguntava ”Porquê”’ deixou-me em suspenso, o que me agradou, e admirada pela criatividade e complexidade que a narrativa poderia representar. Os contos têm muitas camadas que podemos explorar principalmente com as crianças e certamente poderão dar matéria para o desenvolvimento de trabalhos manuais e plásticos.
Estes contos estão no livro Contos de Encantar, no original Fairy Tales, de 1965, que o autor e poeta Edward Estlin Cummings (1894-1962, EUA) escreveu para a filha Nancy mas que só lhe entregou quando Nancy já era mãe, parece que Cummings foi um pai ausente. A tradução é de Hélia Correia, com um prefácio honesto, e as ilustrações são de Rachel Caiano. Infelizmente este livro segue o acordo ortográfico de 1990.
É um sacrifico para mim ler com o novo acordo que não é novo nem é acordo. Veja-se a palavra óptimo sem o p, como se a palavra fosse coxa. Óptimo vem do latim optimus e é só um dos exemplos que viu a sua consoante muda mutilada por uma questão de fonética. Este novo acordo vem afirmar que o critério a adoptar já não é o de base etimológica mas de base fonética (pronúncia). Portanto, altera-se a língua por decreto e com um fundamento errado, já que não há uma nem duas pronúncias mas várias e continuamos a assistir à dupla grafia. Uma lástima, um erro e desconsideração pela história da língua.
À parte deste desabafo, espero que vos tenha entusiasmado a procurar o livro, certamente as bibliotecas tê-lo-ão no seu catálogo. Eu comprei através da RELI, basta preencherem o formulário e qualquer livraria independente e alfarrabista do país vos poderá responder, caso tenha o livro. Assim, ajudam os pequenos negócios de quem gosta mesmo de livros e de literatura.
Volto ao blogue no próximo dia 10.
Até lá preparo a próxima Roda de Leitura sobre poesia portuguesa do séc. XX, esquecida ou desconhecida, para levar a Valezim, Seia, ao Ocupa a Velga – de 14 a 19 de Agosto. O programa pode ser visto aqui.
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