Hoje pela manhã comemorei a entrada deste dia com uma caminhada pela floresta densa e com um breve ritual de contemplação que me remeteu para o que seria o início do holoceno, depois da era glacial, com árvores seculares, vegetação densa, pedras, rochedos, escarpas e enfim, tudo o que constrói e forma o território geográfico e tudo o que assiste e permite a respiração limpa e serena dos seres vivos.
Poderia transcrever sonetos de Luiz de Camões, seria justo e adequado ao dia de hoje mas escolho um poema de Sophia, e escrevendo Sophia com ph já sabem a quem me refiro, a grande poeta portuguesa. E se o Estado Novo transformou este dia de Lisboa em dia de Portugal e se a democracia achou por bem mantê-lo, mudando apenas o epíteto, então comemoremos hoje os poetas, os grandes, conhecidos ou desconhecidos.
A minha escolha não é feita por preguiça (e se fosse) mas por convicção de que Sophia soube trazer a natureza aos nossos sentidos de forma laboriosa. E hoje é só isto que me apetece enaltecer: os sentidos humanos que deveriam orbitar ao redor da natureza, da sua cor, do seu aroma, dos seus sons e da sua presença forte, alta e segura. Eis a essência, a mãe de todas as coisas, a fauna, a flora e todo o ser que vive e morre.
Ali, então
Ali então em pleno mundo antigo
À sombra do cipreste e da videira
Olhando o longo tremular do mar
Num silêncio de luas e de trigo
(Como se a morte a dor o tempo e a sorte
Não nos tivessem nunca acontecido)
Em nossas mãos a pausa há-de poisar
Como o luar que poisa nas videiras
E em frente ao longo tremular do mar
Num perfume de vinho e de roseiras
A sombra da videira há-de poisar
Em nossas mãos e havemos de habitar
O silêncio das luas e do trigo
No instante ameaçado e prometido
E os poemas serão o próprio ar
— Canto do ser inteiro e reunido —
Tudo será tão próximo do mar
Como o primeiro dia conhecido
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
Geografia, 2ª edição, Edições Ática, 1972
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