Neste mês de Março trago poesia, porque estou a preparar uma sessão da Roda de Leitura e porque é a forma literária que mais me acompanha, apesar de intercalar a leitura com romance e ensaio. Estar rodeada de poemas e de histórias é vital para mim, preciso de entrar e sair constantemente de universos diferentes. Aliás, as múltiplas faculdades do espírito humano encantam-me, apesar de considerar que somos uma espécie desgovernada. A imaginação é talvez a mais encantadora faculdade do espírito humano, a que, de certo modo, nos salva do sofrimento atroz que podemos infligir a nós próprios.
Estas últimas semanas tenho lido Mário Cesariny, Antonin Artaud, Jacques Prévert, Blanca Varela, Antonio Gamoneda. Chegaram também livros da editora Officium Lectionis e estou encantada a ler Teixeira de Pascoaes, José Rui Teixeira, Jaime Rocha, Rui Nunes, José Duro, Miriam Reyes e Isabel de Sá.
Estou cada vez mais atenta à forma como o poema é escrito, não que tenha deixado de lado a análise do efeito emocional da poesia, mas tenho estado atenta à forma, à arte do artesão. Para se compreender uma obra creio que importa conhecer a biografia do artista e o contexto histórico e social da vida do criador.
Os artistas têm fases diferentes e poderá dar-se o caso de criarem ou juntarem-se a movimentos que poderão influenciar ainda mais a sua forma de criar. Veja-se o caso da relação de Antonin Artaud com o corpo, enquanto tema, e com os jogos de palavras gráficos e sonoros, enquanto técnica. Este mesmo jogo que reconheço em Jacques Prévert, que não esconde a sua herança surrealista. A biografia e o contexto histórico ajudam a integrar as temáticas e a compreender a técnica.
Tenho notado que tenho questionado os poemas que parecem breves reflexões em prosa. Não falo do verso livre mas do poema em prosa que nasce depois da chamada crise do verso, reclamando mais liberdade na forma. Como se analisa o canto ou a expressão musical de um poema em prosa quando é apenas uma reflexão filosófica do mundo? Tenho muitas questões a este respeito mas as questões são temerárias?
Para aprofundar este tema procuro as palavras de Rosa Maria Goulart:
Assim, umas vezes mais próximo da narrativa breve, sobretudo quando constrói uma pequena narrativa, outras situando-se, pelos traços enunciativos e formais, em exclusivo no campo da lírica, sendo, então, todo o propósito narrativo deliberadamente arredado, o poema em prosa continua a ser objecto, nas teorias que o abordam, de consensos e dissensos, consoante a perspectiva adoptada, havendo mesmo quem chegue a colocar como critério de classificação a intenção autoral, o que não deixa de ser significativo, após as venturas e desventuras com que as poéticas da modernidade atingiram a noção de autor. Persiste, todavia, como aceitação unânime a ideia de brevidade, de unidade estrutural, de concentração e de intensidade, traços igualmente destacados como próprios da narrativa breve, o que o aproxima desta, nos casos em que se decide contar algo. Não é raro encontrarmos poetas que encontram na prosa a forma mais adequada à expressão lírica, enquanto para outros a forma versificada parece ter recebido as preferências como receptáculo de embriões narrativos, reservando-se a prosa para o registo exclusivamente lírico, sem outras interferências modais.
E com esta reflexão deixei que o texto se encaminhasse para as minhas dúvidas.
Coloco-vos o desafio de abrir um livro de poesia ao acaso e ler um poema e voz alta, depois voltar a ler e ler uma terceira vez. Assim vos garanto que descobrirão novos sentidos e formas de sentir a toada musical que o poema deve ter. Ler em voz baixa é bem diferente. A oralidade ajuda o pensamento a ganhar corpo, estrutura, obriga-nos a recorrer à lista de vocabulário que fomos criando e obriga-nos a um reconhecimento e ajuste do tom de voz, gestos e postura. Ler em voz alta pode denunciar crenças, fragilidades e estados de espíritos, isso ou criá-los. Prefiro criar.
Até breve!
Andresa Olímpio
imagem: still do filme Bright Star
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