Encontro-me a vaguear entre a serenidade e a turbulência devido às tarefas a que me propus, às ideias que fervilham a cada instante, na tentativa de encontrarem oportunidade de se revelarem fracasso ou sucesso e a necessidade de espaço livre para absolutamente nenhuma outra coisa que não seja o silêncio, apenas interrompido pela leitura, pelos pássaros afoitos entre árvores e chão e o riso solto dos meus filhos enquanto brincam com autonomia e tempo. Gosto de os observar e de saber que os estou a observar. Estão, estou, estamos aqui.
A felicidade da rotina resume-se aos sons que posso e quero ouvir neste mês de Maio intercalados com a leitura. Além de poesia, leio Saramago.
Daqui a uns dias terei uma Roda de Leitura que incluirá caminhada, juntando duas formas de estar na natureza que muito me aprazem. Se há um problema na pesquisa de poemas é que frequentemente permito-me pairar pela admiração da existência e da criação de poemas que não se enquadram na temática que procuro. Deixo-me enlear pela beleza da lírica e da construção sintáctica. Alguém houve que aquilo pensou e escreveu. Foram mãos humanas que ali souberam estar.
Ler poesia ao lado de árvores, de vegetação e de flores representa a génese da Roda de Leitura. A floresta faz parte da minha vida desde que tenho memória. Aliás, as minhas primeiras memórias incluem exactamente quatro árvores vizinhas a que eu e a minha irmã demos o nome das quatro estações. Espero que isto não tenha sido uma memória construída, não, estou certa de que foi vivida.
O verde tranquiliza-me e o espaço natural, nu, sem vestígios humanos, de construção ou de lixo, tem um efeito relaxante no meu sistema nervoso, afectando as minhas emoções e o meu corpo. Acredito mais na força da natureza do que na força humana. Até porque o nosso corpo segue o ritmo circular da natureza e a natureza tem a generosidade de nos receber, mesmo depois das atrocidades que cometemos contra ela.
Tenho sentido curiosidade em conhecer o nome das árvores, melhor, conhecer as espécies que os humanos criaram para as distinguir. Creio que se hoje não estivesse dedicada aos livros, à leitura e ao papel me voltaria para a botânica, mais especificamente para a dendrologia. Tenho todo o interesse em saber mais sobre estes seres majestosos, lindos, vivos, de raízes poderosas que dão abrigo e alimento a tantos bichos.
Há um poeta que surge nos meus pensamentos cada vez que o tema é a natureza, William Wordsworth (1770 – 1850, Inglaterra) com o seu belíssimo I Wandered Lonely as a Cloud.
Curiosamente, ontem o meu filho mais novo de 3 anos disse que estava uma girafa no céu. Eu olhei e lá a vi, feita de nuvens. E o mais velho, ainda com 6, perguntou porque é que as nuvens pareciam animais, formavam figuras de animais, ao que respondi que as nuvens são só nuvens, é o nosso olhar que cria as imagens que cria, animais e outras coisas. É quem vê que cria a realidade que diz que vê. Absolvi as nuvens de tentarem pôr girafas e elefantes no céu embora me tenha recordado que enquanto viajamos de carro lhes pergunto o que vêem no céu. Delicio-me com os pensamentos e os comentários dos meus filhos sobre tudo o que há ou que poderia haver no mundo.
À minha frente vejo plátanos e freixos e ao alto as nuvens que continuam a desenhar no céu.
O branco e o azul existem. E este verde existe, está aqui, estive lá!
fotografia: Rui Santos
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